“Investir em tecnologia no setor público precisa ser uma plataforma do País”

A executiva Cristina Palmaka está há cinco anos à frente da subsidiária brasileira da desenvolvedora de software alemã SAP. Ela também faz parte do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão do governo Temer. Nesse período, já enfrentou diversas crises no País. Nenhuma delas tão aguda como a greve dos caminhoneiros, que durou 10 dias, provocou desabastecimentos e deixou prejuízos bilionários em diversos setores da economia. Ao comentar esse assunto, Palmaka lembra que a área passará por uma grande transformação nos próximos anos, com o advento dos caminhões sem motoristas, o que já é uma realidade fora do Brasil. “Hoje, o número de caminhões autônomos é maior do que o de carros autônomos”, diz ela. “O mercado está mudando no mundo inteiro. E isso é natural.” Nesta entrevista, Palmaka aborda desde a necessidade de o Brasil investir em tecnologia no setor público até como a inovação pode ajudar no combate a corrupção, um tema que deve ser central na eleição presidencial de outubro. Ela se diz uma pessoa otimista-realista com o futuro do País. “Não dá para ser pessimista. Essa não é a minha primeira crise”. Confira os principais trechos:

DINHEIRO – Qual a visão que a SAP tem do Brasil?

CRISTINA PALMAKA – Completamos 23 anos de Brasil. Quando a SAP chegou aqui, o mercado passou por uma grande transformação. Por isso, o Brasil é uma das subsidiárias mais relevantes, mesmo nos últimos anos, quando não vivemos nossos melhores momentos macroeconômicos. Olhamos para uma perspectiva de longo prazo e entendemos a dinâmica local. Isso nos ajuda a saber quais os produtos são adequados do ponto de vista tributário e regulatório.

DINHEIRO – São produtos para enfrentar as “jabuticabas” locais?

PALMAKA – Se o Brasil quer passar para outro patamar de competitividade, precisa resolver a questão legal e tributária. Dentre os locais onde a SAP atua, o Brasil é País mais complexo nesse aspecto. Isso afeta diretamente os nossos clientes e a nossa operação também. Temos de investir uma grande quantidade de horas em desenvolvimento dos produtos adequados à legislação brasileira.

DINHEIRO – Mas isso, de alguma forma, cria um mercado para vocês, certo?

PALMAKA – Essa não é a parte que mais nos interessa. Os investimentos que nossos clientes poderiam fazer em inovação se perdem. Temos serviços em internet das coisas, inteligência artificial e outras áreas que são mais interessantes. Os clientes precisam investir na digitalização para serem mais competitivos e não gastar com ferramentas tributárias que não agregam valor. No fim do dia, é o consumidor final que importa. Queremos focar nisso. Levar a tecnologia como um fator facilitador de desenvolvimento.

DINHEIRO – A senhora se refere, inclusive, ao desenvolvimento social?

PALMAKA – Sim. Primeiramente nas indústrias e, depois, na mão de obra. As empresas devem ser competitivas, assim como os profissionais. Como sair do analfabetismo digital? Diversos países olham para a digitalização como esse fator habilitador. Poderíamos observar dessa forma para dar um salto de desenvolvimento.

DINHEIRO – Por que o governo é tão lento em adotar novas tecnologias?

PALMAKA – Penso que existem muitos profissionais competentes no governo. Há grupos técnicos com grande conhecimento sobre o que é preciso ser feito em relação à transparência, à governança, à gestão de dados, entre outras coisas. São profissionais que conhecem as necessidades. Mas é preciso priorizar os investimentos. Onde o governo deve investir? É claro que, no médio e no longo prazo, a tecnologia traz benefícios muito grandes. Investir em tecnologia no setor público precisa ser uma plataforma do País. É uma questão de agenda.

DINHEIRO – Em que situação o Brasil está em relação à Indústria 4.0?

PALMAKA – Ainda estamos na fase de protótipos. Na Alemanha, por exemplo, o ciclo iniciou-se há 10 anos. Claro, todos os países estão em um processo inicial, mas, lá fora, já há projetos operacionais. Mas creio que dá para recuperar o tempo perdido. O próprio agronegócio mostra que podemos ter uma indústria competitiva. Só temos de ser rápidos. Não podemos esperar mais cinco anos. Temos de promover a consciência dos empresários e o governo tem um papel fundamental. Falta também um ambiente estável, senão as companhias ficam mais conservadoras e deixam de investir.

DINHEIRO – O que é preciso fazer para impulsionar o crescimento?

PALMAKA – Certamente passa pelas reformas estruturais. Elas são um fator fundamental para arrumar a casa. A preocupação é o tempo que temos até o fim do ano. Agora, vamos entrar em um período eleitoral no qual é difícil colocar em discussão essas questões. Mas temos de pensar em uma transição e as agendas dos governos precisam ser rebalanceadas. Por exemplo, como tornar a parte tributária mais simples? Temos um dado que mostra que as companhias que estão no Brasil representam, em média, entre 3% e 5% do faturamento de suas matrizes. Mas o gasto com contencioso chega a 60%.

DINHEIRO – A senhora está otimista ou pessimista?

PALMAKA – Sou uma pessoa otimista-realista. Não dá para ser pessimista. Essa não é a minha primeira crise. Temos uma janela de oportunidade importante. Mas, como disse, não estamos muito para trás, o que precisamos é acelerar. Há coisas básicas que podem ser feitas para gerar resultados daqui para frente. Não é preciso nem ser tão criativo. Basta tomar as decisões corretas. A maioria dos empresários que encontro também está com essa mentalidade. Várias outras nações estão à frente. Também temos competência e tecnologia. Mas não dá para desconsiderar as reformas estruturais e a capacitação dos profissionais.

DINHEIRO – A tecnologia pode ajudar no combate à corrupção?

PALMAKA – A tecnologia é um dos caminhos, mas é só um habilitador. Quando alguém quer fazer uma coisa errada, consegue achar caminhos diferentes. A tecnologia ajuda a ter processos menos violáveis, mas não é soberana. Às vezes, não nos damos conta de que o momento pelo qual estamos passando estará nos livros de história dos nossos netos. Estamos dando passos emblemáticos no Brasil. Precisamos mudar nossa mentalidade e ver que a corrupção também está nas pequenas coisas. A geração que está chegando agora está aceitando menos isso.

DINHEIRO – Muito se fala de como a tecnologia blockchain pode limitar fraudes e dar transparência aos processos. A senhora concorda que essa tecnologia pode ajudar a resolver esses problemas?

PALMAKA – O blockchain vai despedaçar grande parte da corrupção. Todo lugar que é muito burocrático abre caminhos para que alguém venda a agilidade. Então, é preciso tornar os processos eficientes para matar na raiz essa venda de facilidades. Nisso, a tecnologia tem um papel fundamental.

DINHEIRO – Vivemos um problema enorme causado pela manifestação dos caminhoneiros. E muitas das pautas pediam a reversão de políticas tidas como liberais. Como a senhora vê essa situação?

PALMAKA – Sempre que o País tiver um ambiente aberto e competitivo, conseguirá melhores resultados. Quando um empresário se confronta o dia inteiro com a concorrência, ele colhe benefícios. O mercado aberto normalmente traz eficiência no contexto geral. Como cultura, sabemos que é preciso ter concorrência leal e justa.

DINHEIRO – Os caminhoneiros que protestaram contra o preço do combustível, podem, no futuro, protestar contra a tecnologia de caminhões autônomos. Há solução?

PALMAKA – Hoje, o número de caminhões autônomos é maior do que o de carros. Já existem, inclusive, navios autônomos na Europa. O mercado está mudando no mundo inteiro. E isso é natural. No passado, as pessoas manejavam carroças. E ninguém perguntou para elas sobre como devíamos evoluir. Mesmo por aqui, temos muitos tratores autônomos, por exemplo. Pense no impacto sobre o mercado de trabalho. Isso vai acontecer no Brasil e em todos os lugares do mundo. A preocupação é o que fazer para requalificar esse profissional.

DINHEIRO – E quanto às novas gerações de profissionais? Eles estão preparados?

PALMAKA – A próxima geração está se preparando de alguma forma. Em vez de dirigir um caminhão, os jovens estão pensando em como gerenciar uma frota. O transporte vai continuar, mas os impactos sobre o setor serão enormes. Precisamos entender que, em um mundo disruptivo, no futuro, o caminhão não vai competir com o trem, mas sim com uma impressora 3D, que já imprime até chocolate. A competição vem de lugares em que estamos aprendendo ainda. Essa é a beleza do momento da transformação.

DINHEIRO – Outra polêmica do setor é a questão da privacidade de dados, algo relevante para a SAP. E, no fim de março, passou a vigorar, na Europa, o GDPR (General Data Protection Regulation), uma das legislações mais restritivas do mundo sobre esse tema. Qual o impacto sobre a SAP?

PALMAKA – Fomos uma das primeiras companhias no mundo a ser certificada no GDPR. A Europa é muito conservadora sobre a discussão sobre a quem pertencem os dados. Os americanos são mais flexíveis. Sou membro do Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social). Lá, discutimos como vamos nos portar. Seremos mais conservadores ou liberais? Sabemos que armazenar dados na nuvem é seguro. Então, a discussão é sobre a confidencialidade, quando posso e quando não posso usar e se podemos fazer os cruzamentos de dados, sem expor a privacidade. Não há nada de errado nisso. Aqui, fizemos uma análise preditiva para o plantio de eucalipto para a Fibria. Eles tinham uma montanha de dados, com mais de 650 variáveis. Fina-lizamos esse projeto há dois anos. Fizeram isso para ganhar produtividade no médio e no longo prazo. E vamos ver cada vez mais empresas utilizando esse tipo de serviço, baseado em algoritmos.

Revista Isto É Dinheiro

Machado da Costa

Edição 08/06/2018 – nº 1073