Impacto do blockchain deve ser similar ao do correio eletrônico

Por Carmen Nery | Para o Valor, do Rio

Especialistas apontam que o blockchain e as criptomoedas estão no coração da quarta revolução industrial, ao lado de internet de coisas (IoT), impressão 3D, inteligência artificial (AI), veículos sem condutor, robótica, máquinas inteligentes e de todo o conjunto de tecnologias consideradas exponenciais. O blockchain ou as tecnologias correlatas de Distributed Ledger Technology (DLT) compõem uma nova internet global, onde tudo que é valioso poderá ser armazenado de forma segura com base na confiança entre as pessoas, e não mais em uma instituição intermediária.

Blockchain – ou cadeia de blocos – funciona como uma teia de computadores espalhados pelo mundo, que registram todas as transações como se fossem um livro-caixa. O bitcoin foi a primeira implementação da tecnologia blockchain, em 2009. Bitcoin é o novo ouro digital, que funciona como uma reserva de valor e também precisa ser minerado, com a diferença de que a mineração das criptomoedas é feita por meio da resolução de cálculos matemáticos em computadores com alto poder de processamento, a fim de confirmar as transações realizadas. “É a primeira vez na história que as pessoas têm acesso a um dinheiro criado para a internet”, diz Rosine Kadamani, fundadora da consultoria Blockchain Academy. Ela explica que, com a internet, surgiram empresas globais como Amazon, oferecendo produtos do mundo inteiro, e gigantes como o Google, que captura e expõe informações para todo o planeta. Faltava uma moeda, porque surgiram intermediários de pagamentos como Paypal e PagSeguro.

“O bitcoin surgiu a partir de um conjunto de tecnologias seguras que também permitem a criação uma série de novos projetos de criptomoedas. Isso é transformador porque é um dinheiro que não é gerado por um Estado e tem capacidade de ser global”, diz Rosine. Hoje existem mais de mil moedas digitais – as altcoins como são chamadas as moedas que surgiram depois do bitcoin. “A perspectiva em torno disso é que está sendo criado um sistema financeiro paralelo ao sistema financeiro tradicional, independente de governos. O bitcoin não está em nenhum lugar especificamente, mas, ao mesmo tempo, está em todo lugar. É, ao mesmo tempo, desterritorializado e onipresente”, diz.

O impacto para a economia é que, como hoje ela é muito baseada no Estado, com as criptomoedas, haverá uma transferência do fluxo financeiro. Para a sociedade, pode representar mais inclusão social. É possível, por exemplo, enviar para a África uma pequena quantia sem pagar altas taxas. “Os bancos vão ter de repensar suas estratégias e modelos de negócio”, diz Kadamani. Fernando Ulrich, especialista em criptomoedas e blockchain do Grupo XP, diz que, embora seja difícil fazer previsões mais específicas sobre seu impacto, o blockchain e as criptomoeadas são tecnologias de base, assim como foram a eletricidade e a internet. Permitem que novas aplicações sejam feitas a partir delas.

“Pela primeira vez na história da humanidade, qualquer pessoa, em qualquer lugar da terra, sem precisar pedir autorização a ninguém e com baixo custo, pode fazer uma transferência instantânea. Diversos setores poderão ser impactados: importação, exportação e tudo que envolve pagamentos entre países. É a mesma transformação do correio eletrônico, que permitiu enviar mensagens para qualquer lugar do mundo”, diz. A desintermediação é outra palavra que está por trás do caráter revolucionário da tecnologia. Ela remove a necessidade de um terceiro que assegure a validade ao permitir a confiança em escala global sem que as  partes se conheçam. “Essa desintermediação pode ocorrer em diversos mercados – financeiro, sistema bancário, cartorial”, diz Ulrich.

Ele cita o projeto Arcade City, um aplicativo de transporte como o Uber, mas sem uma empresa por trás, funcionando no modelo peer to peer (P2P), de forma descentralizada. O mesmo modelo pode ser aplicado para o Airbnb. O Open Bazar, marketplace on-line, é um aplicativo P2P com pagamento com criptomoedas. “São novos modelos de negócios que estão surgindo e só são possíveis pela nova tecnologia de blockchain e criptomoedas”, resume Ulrich.

Mauricio Magaldi Suguihura, líder de blockchain da IBM para América Latina, faz uma distinção entre o blockchain aberto, que criou o bitcoin, e as tecnologias usadas no mundo regulado. Essas são as chamadas Distributed Ledger Technology (DLT) permissionadas, as preferidas pelo mundo corporativo, pois não garantem o anonimato do blockchain. “As empresas precisam identificar com quem estão falando. As grandes crises de confiança nas indústrias forçaram as grandes empresas a terem mais regras de compliance. Nesse cenário, o blockchain permissionado vai ajudar”, diz Suguihura.

 Valor Econômico